That's what you get when you let your heart win

Vasculho nas folhas as tuas últimas palavras. Mexo e volto a remexer tudo o que está à minha volta, à procura de um sinal de ti. O último sinal. Mas nada há para encontrar.
Não mas escreveste. Não deixaste nada mais do que um vazio e meras recordações. Últimas palavras? Que são feito das primeiras? Lembras-te delas? Lembras-te de mim?
Percorro todos os recantos da minha mente à procura de um único momento em que te tenhas lembrado de mim. Corro, num túnel escuro, sem fim, à procura de uma porta que me leve a ti. Sem aviso prévio, o túnel acaba. Os meus pés movem-se lentamente sobre o chão crepitante. A noite está escura, o céu enevoado. Não vejo a lua, nem as estrelas, nem um avião que possa servir de estrela cadente para que eu possa pedir um desejo.
Encosto-me a uma árvore, ofegante. As minhas forças desvanecem-se. Deixo-me cair e, do nada, uma tempestade começa. A chuva cai incessantemente, fazendo-me encolher sobre o meu próprio corpo. O barulho dos trovões ecoa pela clareira, a luz azul arroxeada espalha-se no céu. Choro, com medo. Um relâmpago cai no meio da clareira, criando um pequeno fogo. O medo apodera-se de mim. Quero fugir, mas algo me diz que será pior. Após a queda do terceiro raio no mesmo espaço que eu, levanto-me e corro. Corro o mais depressa que o meu corpo fraco me permite. A mente vagueia pela floresta a cem à hora, mas o meu corpo é incapaz de a acompanhar. Corro cada vez mais lentamente, até por fim parar.
"Estava à tua espera", ouvi. O meu coração acelera. Mais ainda do que antes, enquanto percorri o mundo a correr. Olho à minha volta, à procura de um sinal de vida, de alguém que pudesse estar a falar comigo. Sinto-me a enlouquecer.
"Estou aqui, não tenhas medo. Estou contigo." Sinto uma respiração quente junto ao meu pescoço o que me provoca um arrepio na espinha e me faz pular. Viro-me num repente.
"Oh não!" profiro, ainda descrente. "Não podes estar aqui". Aproximas-te de mim, a par e passo de modo a que eu não me assuste novamente.
"Mas estou. Eu não te deixei escritas umas últimas palavras porque nunca vou dizê-las. Nunca haverão umas últimas palavras. Haverá sempre mais algo que eu preciso de te dizer.
Eu lembro-me, sim. Eu lembro-me de como tudo começou. Lembro-me do início, lembro-me do meio. Mas não me lembro do fim. E sabes porquê?", perguntas-me. Aceno negativamente com a cabeça, com o corpo hirto e os punhos cerrados. O medo que sentia anteriormente continuava algures a correr no meu sangue. "Porque não há um fim. Este é o verdadeiro começo."
O medo em mim deu lugar à mágoa. Solto um pequeno esgar.
"É o verdadeiro começo? Como podes dizer isso? Depois de tudo o que aconteceu durante todo este tempo? Para ti este é o começo porque não sofreste. Não sofreste nem um milésimo de tudo aquilo a que me sujeitas-te. Eu tentei de tudo o que era capaz de fazer para te mostrar 'Eu estou aqui!' e como é que retribuías? Não retribuías. Ignoraste a minha existência todos estes anos. Vais argumentar que eu nunca to disse? Achas que era preciso? Tu sentia-lo. Eu vi imensas vezes na tua expressão. Vi imensas vezes o teu ar de superioridade e de ignorância, cada vez que passavas por mim, onde quer que fosse. Fizeste-me sentir culpada por me atravessar no teu caminho uma e outra vez. Fizeste-me sentir que para além de estranha, também era desprezível. Tu fizeste-me mal como poucas pessoas fizeram. Tu destruíste a pouca felicidade que eu ainda tinha naquela altura."
Comoves-te com as minhas lágrimas de fúria, a rolarem-me pelo rosto, ou pelo menos finges comover-te. Tentas aproximar-te de mim mas eu recuo.
"Não." A primeira vez que o digo grita insegurança. "Não!", repito confiante de mim.
"Eu não posso sofrer mais. Eu tenho que encontrar alguém que faça por mim o oposto do que tu fizeste. Tenho que encontrar alguém que me dê aquilo que me tiraste. Eu preciso de um pouco de felicidade. Juro que não peço muito. Só quero o suficiente para que, à noite, quando estiver na cama e tudo estiver em silêncio, não me dê um ataque de choro. Só quero o suficiente para pensar em mim mesma e dizer 'Tu mereces sentir-te bem'. Nunca tive direito a nada disto contigo. Pelo contrário. Embora me tenhas feito descobrir sentimentos que nunca teria descoberto, embora me tenhas feito testar os meus próprios limites, eu preciso de amor." Olho-te com um breve sorriso. "Sorri. Uma coisa tu conseguiste fazer. Garanto-te que nunca ninguém vai gostar de ti da maneira silenciosa, dolorosa, mas acima de tudo, verdadeira, como eu gostei."
Os teus olhos cor de avelã percorrem as entrelinhas dos meus olhos castanhos. Sei que procuras uma tentativa de me vergar, de me fazer voltar atrás.
"Desculpa, mas eu tenho que aprender a ser feliz. E sim, estas são as últimas palavras. Por favor, escreve-mas. Dá-me ao menos isso."
Tiras uma caneta do teu bolso. Pegas na minha mão, vira-la com a palma para cima e desenhas um pequeno e perfeito coração no lado interior do meu pulso. Dás-me um beijo na testa. "Um gesto vale mais que mil palavras. Eu nunca te irei dizer últimas palavras porque isso significa ser o fim. E eu vou lutar com todas as minhas forças por te dar o início que tu mereces."
Os meus olhos fecham-se lentamente, fazendo correr duas últimas gotas de água na minha face. Volto a mim. O meu primeiro instinto é verificar o meu pulso. Mas claro, tudo não passara de um sonho, pois só nos meus sonhos, tu és capaz de te importar comigo e de me amar.